1 de Julho 2021
Go Portugal go!
Olga Moreira, bióloga de formação e coordenadora da Estação Zootécnica do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) de Santarém, está à frente do projecto GOEfluentes, que ficou em primeiro lugar na categoria Inovação em Parceria: Grupos Operacionais, na 7.ª edição do Prémio Empreendedorismo e Inovação Crédito Agrícola
O trabalho distinguido incide nos efluentes de pecuária – abordagem estratégica à valorização agronómica/energética dos fluxos gerados na actividade agropecuária – enquadra-se no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) e resultará na redacção de um Roteiro de Gestão de Efluentes, a concluir até ao final deste ano. “Hoje, estamos perante um cenário de economia circular”, contextualiza Olga Moreira, justificando a pertinência do tema. Embora, há quatro anos, esta fosse uma área inexistente na Estação Zootécnica, actualmente, está a ser dinamizada “em pleno”, quer no domínio da gestão dos efluentes, quer na procura e na pesquisa de alimentos circulares. Para valorizar os sistemas de produção animal, os co-produtos da agro-indústria que eram sub-aproveitados são utilizados na cadeia alimentar animal, tendo como objectivo a redução da “competição com os humanos por alimentos”.
No caso dos efluentes de pecuária, o projecto GOEfluentes abrange três áreas-chave: a caracterização do sector, a mitigação das emissões de gases de efeito estufa e a valorização dos efluentes. “Nesta valorização, impõem-se os princípios da economia circular e do resíduo zero”, nos quais se está a investir para que, definitivamente, os efluentes sejam percepcionados como mais-valia inquestionável e inadiável. A valorização dos efluentes passa pela valorização agronómica e energética e pela biodegradação por larvas de BSF (mosca soldado-negro), para além da compostagem, que está a ser feita em parceria com “uma empresa especializada e que queria testar, em escala, compostagem de estrume de bovinos de leite”. A bióloga faz questão de lembrar que os sistemas de produção animal originam efluentes cuja valorização é presentemente uma preocupação, sinal de um novo tempo de evolução do sector. E releva que “um crescente número de explorações se encontra, desse ponto de vista, a funcionar extremamente bem”.
Num cruzamento entre a alimentação e a sustentabilidade, defende a importância de existir uma produção de carne sustentável em três dimensões: a económica – “porque tem de ser rentável para quem produz” –, a da criação de emprego e a ambiental. A coordenadora do projecto GOEfluentes considera que da parte do sistema produtivo tem havido “um esforço muito grande para a sustentabilidade das explorações”, frisando que há uma preocupação crescente com a alimentação, o bem-estar animal e a produção eficiente. “Haverá que produzir para ser rentável e ter qualidade a dois níveis: na eficiência de produção e na valorização dos efluentes gerados. E é precisamente neste cenário que se coloca o desafio de converter um problema numa oportunidade: os efluentes a jusante do sistema de produção, que resultam dos suínos, bovinos de leite, aves… Ou seja, a oportunidade está em valorizar um elemento crítico nesta equação”. Pretexto para que Olga Moreira nos fale da importância da digestão anaeróbia de efluentes, em que, apesar de se realizar há algum tempo, neste caso, a inovação associa-se à “quantificação de energia produzida por chorume de ciclo fechado em função do pavilhão pecuário, onde têm origem os efluentes: engorda/acabamento, gestação e creche”.
No caso da valorização por biodegradação com mosca soldado-negro, a bióloga explica que, embora testada noutros países, surge em Portugal através deste projecto-piloto, com inovação de processo e de produtos e apresenta já resultados excelentes e mensuráveis. “No segundo dia de tratamento, os maus cheiros desaparecem. As larvas sobrevivem em determinadas condições de temperatura e de humidade, e têm uma capacidade de resiliência incrível, pois sobrevivem, bio degradam e têm uma grande capacidade para extrair a água dos efluentes”. A isto acresce a qualidade do produto final, que é um fertilizante orgânico, com “características óptimas”, que foram testadas e obtiveram “excelentes resultados”. “Tudo somado, temos um serviço e dois produtos: o efluente tratado, o fertilizante orgânico e as larvas”, com impactos positivos tanto ambientais, como económicos. Já no que respeita às medidas de mitigação das emissões e tratamento primário dos efluentes pecuários, a utilização do biocarvão/biochar, apresenta aspectos positivos pelo facto de, nas fossas, quando adicionado aos efluentes, inibir as emissões, principalmente de óxido nitroso, de amoníaco e de metano, que são gases com efeitos de estufa. Acresce que o efluente resultante do tratamento com o biochar apresenta elevado valor agronómico. “Esta é outra das técnicas de inovação”, revela Olga Moreira.
Até ao final de 2021, a coordenadora do projecto GOEfluentes espera ter o Roteiro publicado e uma Plataforma Georreferenciada, já testada na zona do Montijo, com uma das empresas parceiras e actualmente a ser testada na zona Norte do País. O passo seguinte será continuar a trabalhar para inovar e para desfazer, de vez, algum cepticismo que ainda se manifesta em relação a esta temática. E, sempre a pensar no futuro, deixa uma garantia. “Apesar dos constrangimentos e das restrições que vão sempre suceder, enquanto tivermos projectos, continuaremos a dar o nosso contributo para o sector.” Assim, o Grupo Operacional tem já outras ideias a fervilhar, enquadradas na sua filosofia e relacionadas com a mitigação e a adaptação às alterações climáticas e à nova era da agricultura circular.