1 de Outubro 2019
Uma Azeitona e tanto Futuro
Lavoisier tinha toda a razão. E pela mão da ciência e da investigação, a Natureza não pára de nos surpreender com a infinidade de coisas que é possível transformar e reaproveitar. Simplificando, há lixo... e lixo. Exemplo disso mesmo é o projecto SoiLife, distinguido com o Prémio Empreendedorismo e Inovação CA 2018, na categoria "Produção e Transformação", e com o BfK Award (Born from Knowledge) 2018 da Agência Nacional de Inovação. Se alguém, em qualquer parte do mundo, arriscar a perguntar se o bagaço de azeitona estará definitivamente condenado ao desperdício, pois logo a mentora do projecto SoiLife e a sua equipa dirão que, a partir de agora, já não é bem assim... O melhor é irmos à Universidade do Porto ouvir quem sabe, ou seja, quem estudou o assunto, investigou e descobriu a solução.
Somos recebidos pela professora Beatriz Oliveira, docente da Faculdade de Farmácia, líder do SoiLife e investigadora do Requimte - Laboratório Associado para a Química Verde, Anabela Costa, engenheira química e Mestre em Ciências do Consumo e Nutrição, Maria Antónia Nunes, nutricionista e Mestre em Ciências do Consumo e Nutrição, e Filipa Pimentel, nutricionista e Mestre em Alimentação Colectiva (nota: as duas últimas anfitriãs estão a fazer doutoramento sob orientação da professora Beatriz Oliveira).
Dito isto e feitas as apresentações, mergulhamos no cenário mágico do Laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, onde, imaginamos, as "quatro magníficas" terão quebrado o silêncio para dizer... eureka! "Em cada 100 kg de azeitonas, só 20% são transformados em azeite, sendo os restantes 80% convertidos em bagaço de azeitona cru, um produto que, embora rico em fitoquímicos [benéficos para a saúde humana], é fitotóxico, pelo que não pode ser largado na terra nem nos cursos de água", explica e adverte a professora Beatriz Oliveira. É neste contexto que surgiu o projecto SoiLife.
"Em 2013 estivemos envolvidos, em co-promoção, no desenvolvimento de um lagar móvel, tendo como tarefa controlar a qualidade do azeite, mas sempre a espreitar as possibilidades de transformação e reaproveitamento do bagaço de azeitona. Nas análises efectuadas foi claramente notória a riqueza destes resíduos em compostos fenólicos. A partir daí, trabalhámos num processo muito simples que nos permitiu obter dois excelentes produtos: um extracto líquido, fonte extraordinária de bioactivos, que tanto se aplicam à cosmética natural como à indústria dos suplementos alimentares; e o substrato, sólido, já livre de toxicidade, que se pode aplicar nas estufas de plantas como solo e (ou) na substituição de solos degradados", sublinha a mentora do SoiLife. Entretanto, foi constituída uma empresa para associar a patente aos dois produtos, cabendo-lhe também a respectiva comercialização. E assim se resume uma história de sucesso, tendo como fundamento uma metodologia simples, limpa e de baixo custo. Uma solução sustentável para resolver um problema (a fitoxicidade do bagaço de azeitona) e dar-lhe uma nova vida (dois novos subprodutos).
Considerando que a produção de azeite em Portugal gera todos os anos cerca de 390 mil toneladas de bagaço de azeitona, até aqui matéria desperdiçada, releva bem a importância do projecto SoiLife, desde logo pelo seu impacto económico na fileira do azeite. Mas a professora Beatriz Oliveira e a sua equipa já avançam noutras soluções. "Temos uma nova patente com um ingrediente activo obtido por prensagem do bagaço de azeitona fresco." Dessa parte líquida, rica em antioxidantes, nomeadamente hidroxitirosol, resulta um ingrediente que poderá ser incorporado em cremes para barrar, mas também em iogurtes e outros produtos alimentares.
Voltando ao princípio do texto, ora aqui está Portugal a dar razão ao pai da Química moderna, ele que proclamou que "Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". As nossas "quatro magníficas" que o digam. E o futuro, chamado ao presente, que faça o favor de lhes agradecer.