João Paulo Catarino

João Paulo Catarino

"A interioridade tem que se lhe diga."

João Paulo Catarino

João Paulo Catarino

"A interioridade tem que se lhe diga."

Haverá certamente quem se interrogue com o surgimento de uma Secretaria de Estado a poucos meses do fim da legislatura. Ainda que indiscutível a importância da sua esfera de atribuições e competências, seria este o tempo certo para novo ajustamento na estrutura governativa? "O País não pode ficar refém de conjunturas mais ou menos convenientes. Dito de outro modo, os grandes desafios que se colocam a Portugal têm de ser avaliados a uma outra luz", defende João Paulo Catarino, que aceitou o convite para integrar o Executivo sem qualquer hesitação. “O Governo decidiu – e bem, do meu ponto de vista – que a Unidade de Missão para a Valorização do Interior, já incluída na Lei Orgânica do Executivo, deveria evoluir para uma Secretaria de Estado, em razão do trabalho que vínhamos desenvolvendo em matéria de interioridade, convocando pensamento estratégico e acções concretas, em articulação com os nossos parceiros europeus, desde logo a Espanha”. Sem dúvida que a questão dos incêndios também entra nesta equação, constituindo outro argumento para a criação da Secretaria de Estado da Valorização do Interior, fixada em Castelo Branco. 

 

Que marca gostaria que ficasse deste Governo no domínio do investimento na interioridade?

O ideal seria que essa marca se tornasse inapagável e irreversível. Bem sabemos que a chamada assimetria regional não se corrige numa legislatura, nem em duas... É um processo e uma dinâmica que mobilizam vários Governos e diferentes gerações. Agora, uma coisa é certa: o trabalho iniciado na Unidade de Missão e continuado com outro suporte através da Secretaria de Estado representa já algo marcante para a valorização do território português, ao pensar estrategicamente um país cada vez menos desigual na relação que se estabelece entre o Interior e o Litoral, propondo e tomando medidas que confiram a esses dois pólos uma simetria cada vez mais evidente, até porque o futuro passa inevitavelmente por aí. E quando formulo o desejo de que a marca deste Governo seja, a um tempo, inapagável e irreversível, é no sentido de que os futuros Governos de Portugal mantenham a questão da interioridade no topo das suas preocupações e prioridades do seu pensamento e da sua acção, designadamente no quadro legislativo, através de medidas que a todo o tempo vão contribuindo para valorizar o Interior.

Defende, também aqui, a necessidade de consensos alargados, de pactos de regime que promovam a longevidade das grandes medidas, sobretudo as chamadas "estruturantes"? 

Sem dúvida. Dois terços do território português tem manifestos problemas de despovoamento e de envelhecimento. É certo que, de uma forma geral, o País desenvolveu-se, temos hoje óptimas acessibilidades e outras infra-estruturas físicas – desde espaços culturais a equipamentos desportivos. Sucede que no caso específico do Interior, isso aconteceu quase sempre tarde de mais: quando lá chegaram os acessos e as vias, muitas pessoas, sobretudo os jovens, já tinham saído… Há muito a fazer para atrair gente que queira fixar-se no Interior. E há urgência em tomar decisões concretas nesse sentido. A prova disso é que no Orçamento do Estado para 2019 tínhamos uma medida que defendia a redução do IRC em função da massa salarial, dirigida às empresas do Interior, e foi chumbada no Parlamento. Seja como for, estou certo de que hoje em Portugal todos os partidos têm consciência dessa urgência. A urgência de políticas específicas a pensar com toda a atenção e visão estratégica em determinadas áreas do território.

Entre as medidas consequentes para a interioridade com a assinatura deste Governo, quais merecem o seu sublinhado? 

Felizmente não faltam bons exemplos. A começar pelo programa Valorizar, em que pela primeira vez em Portugal foram alocados 70 milhões de euros de fundos comunitários (verba reforçada agora com mais 10 milhões) exclusivamente para valorizar a actividade turística no Interior. Importa igualmente ter presente a reprogramação do novo Quadro Comunitário de Apoio, em que só para empresas do Interior conseguimos alocar 800 milhões de euros. Com esse reajustamento, foi possível salvaguardar a especificidade de duas realidades distintas: o território do Litoral e o território do Interior. Até aí, a avaliação das candidaturas aos fundos pendia quase sempre para o Litoral, desde logo porque os critérios de mérito para aprovação incidiam na inovação e na internacionalização. Ora, 90% das empresas do Interior não encaixam nesses critérios; a sua prioridade é a preservação do posto de trabalho e alguma modernização dos circuitos de produção. Agora, a atribuição dos fundos passou ter em conta estes dois contextos específicos – e não podia ser de outra forma. E com a verba já referida, a que acresce o programa SI2E [Sistema de Incentivos ao Empreendedorismo e ao Emprego], é possível apoiar, de forma simplificada, a criação e expansão de pequenas e (sobretudo) microempresas, incidindo particularmente na valorização e exploração de recursos endógenos, do artesanato e da economia verde e, ainda, no desenvolvimento de negócios em viveiros ou incubadoras de empresas, sendo que este programa foi entretanto majorado substancialmente nos apoios às empresas do Interior.

Já são visíveis, mensuráveis, resultados desse reajustamento que separa as águas em dois processos distintos de candidatura aos fundos europeus, correndo por um lado as empresas do Litoral e, por outro, as empresas do Interior?

Cerca de 60% das novas candidaturas envolvendo empresas com menos de cinco anos reporta-se a empresas provenientes do Interior. As suas actividades têm muito a ver com os recursos endógenos das regiões, o que é sempre de destacar no âmbito da afirmação do território. Ainda no conjunto de medidas que tomámos e a merecer aqui nota destacada, devo recordar a forte oposição que tivemos – mas felizmente ultrapassámos – quando se aprovou a redução de 5% das vagas no Ensino Superior nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, contrapondo com o aumento na mesma percentagem das vagas no Interior. E isso é absolutamente determinante para a valorização dos recursos endógenos das regiões e da necessidade de termos um ensino universitário e politécnico que produza conhecimento ajustado às especificadades do território e das suas empresas.

Ao olhar o movimento de estrangeiros que, vivendo muitos deles do teletrabalho, se estão a fixar com sucesso no Interior de Portugal, o que vê? 

Vejo que o nosso País tem condições únicas para captar pessoas, cidadãos do Mundo, que valorizam especialmente o contacto com a Natureza. Mas esse capital natural também pode ser atractivo para os portugueses. É nisso que estamos a trabalhar. Portugal tem um sério problema demográfico para resolver. Quando começámos este trabalho na Unidade de Missão para a Valorização do Interior, os autarcas identificavam a necessidade de criar emprego para fixar os jovens; hoje, o que falta é mão-de-obra, sobretudo para a agricultura, o turismo, a indústria automóvel e a indústria metalomecânica. Ou seja, temos sectores de actividade que já não estão provavelmente a crescer ao ritmo
que podiam – e deviam – por limitações de mão-de-obra. Mas o Governo está atento a isso. Das 65 medidas aprovadas no Conselho de Ministros Extraordinário de Pampilhosa da Serra, é importante destacar a nova perspectiva de promover o desenvolvimento rural, agora trabalhado de forma transversal a todos os ministérios e não de forma unidireccional ou sectorizada. Resulta daí, só para dar um exemplo, a criação de pólos de museus nacionais no Interior, como o já anunciado Pólo de Chaves do Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. 

Em que geografia é necessário apostar e intervir com maior urgência? 

Penso num terço do território. O Pinhal Interior, o Norte Alentejano, algumas áreas à entrada do Douro Internacional e a margem esquerda do Guadiana são, claramente, regiões que precisam de um novo desígnio. Na certeza de que mais investimento público tratará mais investimento privado. Mas não tenhamos dúvidas: o Interior só será bem-sucedido se pensarmos, acima de tudo e de todos, nos jovens. A já referida escassez de mão-de-obra começa a ser preocupante, condicionando o crescimento de algumas actividades e podendo vir a influenciar decisivamente o próprio PIB [Produto Interno Bruto].